Incêndios no Pantanal

As notícias sobre os incêndios no Pantanal em 2020 preocuparam muitos brasileiros que prezam pelo meio ambiente e sabem da importância da Biodiversidade para a saúde do planeta.
É verdade que existem tipos de vegetação que resistem à ação do fogo, inclusive no Pantanal.
E também é verdade que há incêndios todos os anos em vários Biomas brasileiros.
Então, porque os incêndios desse ano foram tão diferenciados, ganharam tanto destaque na mídia e preocuparam tanto os ambientalistas?
É sobre esse assunto que vamos tratar neste texto.
O que é o Pantanal?
O Pantanal é uma planície inundável formada principalmente pelo Rio Paraguai e seus tributários.
Está localizado na porção oeste do Brasil e abrange os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com uma pequena porção de sua extensão alcançando a Bolívia e o Paraguai.
Uma das principais características do Pantanal é seu regime de cheias, influenciado pelas águas vindas das diferentes porções do território ao seu redor.
Esse fenômeno ocorre porque a altitude média do Pantanal é de apenas 100 m em relação ao nível do mar, enquanto as serras e planaltos ao seu redor atingem 800 m ou mais de altitude.
Vegetação do Pantanal
Outra característica marcante do Pantanal é a enorme influência que sua vegetação recebe dos Biomas que o cercam.
Ao norte ele recebe grande influência da Amazônia, enquanto a sudeste há influência do Cerrado e a oeste, do Bioma conhecido como Chaco.
Enquanto a influência amazônica e do chaco fornecem ambientes mais resistentes às inundações, a influência do Cerrado traz uma vegetação mais resistente a incêndios no Pantanal.
Todas essas influências tornam o Pantanal extremamente rico em formações vegetais, tais como:
- Floresta Estacional;
- Floresta semidecídua;
- Cambarazais;
- Vegetação chaquenha;
- Campos inundáveis;
- Matas ciliares;
- Morrotes com Cerradão.
Como um ambiente que anualmente precisa lidar com regimes de cheia, o Pantanal abriga uma grande diversidade de plantas aquáticas ou que se desenvolvem melhor em solos alagados.
Uma planta aquática bastante emblemática que ocorre no pantanal e exemplifica bem a influência amazônica é a vitória-régia (Victoria amazonica).
Outra planta com esse mesmo hábito e que também merece destaque é a Oxycarium cubense.
O. cubense é uma Cyperaceae que cresce e se prolifera por cima da vegetação aquática flutuante e forma bancos de macrófitas chamados baceiros.
Esses baceiros ficam flutuando ao logo dos rios e formam grandes depósitos de matéria orgânica, além de servirem de abrigo para vários animais.
O Regime de cheias no Pantanal
A planície pantaneira recebe as águas dos ecossistemas ao seu redor sazonalmente.
Essa é uma das características que garante tanto a manutenção da biodiversidade quanto a prevenção de incêndios no Pantanal.
De modo geral, a estação seca no Pantanal compreende os meses de abril a setembro, enquanto as chuvas chegam principalmente no final e inicio de cada ano.
Entretanto, devido à grande extensão do Pantanal e dos rios que passam por ele, existem alterações no regime de chuvas de acordo com a região em questão.
No Rio Cuiabá, por exemplo, as chuvas chegam no primeiro bimestre do ano e as inundações das calhas do rio chegam ao seu ápice logo após o pico dessas chuvas.

Dessa forma, as inundações dos rios são de certa forma sincronizadas com os períodos de chuvas.
Quando o Pantanal está inundado, não há chuvas, e quando ele já está seco, começa a chover novamente.
Pantanal Central
Entretanto, no Rio Paraguai, que passa pela região mais central do Pantanal, as águas demoram cerca de três meses pra chegar vindas das áreas periféricas.
Ao chegarem, a região está em plena estação seca.
A região central do Pantanal recebe naturalmente menos chuva, portanto seria mais suscetível a incêndios.
Porém, como a época sem chuvas costuma compreender o período de inundações, os incêndios no Pantanal central não costumam ser tão prolongados pois a água se encarrega de controlar o fogo.
Para haverem queimadas persistentes nessa região, precisa haver alguma anomalia climática que impeça o Rio Paraguai de transbordar.
Foi justamente isso que aconteceu neste ano, em uma proporção que não era vista desde a década de 60.
A estação seca se prolongou devido à falta de chuvas em várias partes do Pantanal.
Consequentemente, não havia água suficiente se deslocando para a região central para promover as inundações sazonais.
Pantanal e os incêndios
Existem tipos de vegetação adaptadas à ação do fogo e que até se beneficiam dele.
Em um episódio do Encontro Ambiental promovido pela Brasil Bioma, intitulado “O que será do Pantanal após a onda de incêndios?”, o Dr. Geraldo Damasceno conta um pouco sobre a relação da vegetação do Pantanal com o fogo.
O Dr. Geraldo Damasceno é professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e estuda a vegetação pantaneira.
Ele nos conta que na região de Baia Gaiva, um estudo feito por pesquisadores da Escócia revelou a presença de fenômenos ligados ao fogo no Pantanal a pelo menos 12 mil anos.
Enquanto que a presença humana na região através de sítios arqueológicos é datada em 8 mil anos.
Isso significa que possivelmente já poderiam ocorrer incêndios no Pantanal mesmo antes de pessoas viverem lá.
Porém nem todas as formações vegetais do Pantanal toleram o fogo.
Entre as formações vegetais que são sensíveis ao fogo, podemos citar:
- Formações florestais da Amazônia;
- Formações florestais da Mata Atlântica;
- Matas de galeria do Cerrado.
Incêndios descontrolados nesses ambientes podem causar a eliminação permanente de animais e plantas, pois não são adaptados a regenerar após uma queimada e não conseguem conter a expansão do fogo.
Histórico de incêndios no Pantanal
Em todo o Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) é o responsável por monitorar incêndios em Biomas como o Pantanal.
O gráfico mais atualizado do INPE sobre focos de queimadas em território brasileiro mostra picos de incêndio em 2007, 2010 e principalmente entre 2001 e 2005.
Isso mostra que esse problema não é recente no País.
Porém, olhando separadamente cada Bioma, um aumento expressivo nos focos de queimadas podem ser observados a partir de 2018, principalmente no Pantanal e Amazônia.
A atual situação das queimadas no Pantanal neste último ano já o fez perder mais de 38 mil km² de vegetação nativa.
Isso é muito mais do que já foi visto nos últimos 18 anos e a irremediável perda de biodiversidade torna-se uma consequência inevitável.
No pantanal, além dos incêndios naturais, pessoas usam o fogo para transformar paisagens e renovar plantações.
Porém, o agravamento do período de seca pode fazer com que essas queimadas fujam do controle, cheguem em ambientes sensíveis ao fogo e se alastrem por grandes áreas causando muita destruição.

Benefícios do fogo no Pantanal
Por outro lado, existem algumas formações vegetais pantaneiras que além de resistentes a queimadas, só existem por causa delas.
Um exemplo disso é a formação conhecida como paratudal.
O paratudal é uma formação vegetal monodominante.
Isso significa que 50% das espécies que compõem esse ambiente são representadas por um único tipo de planta, no caso, o paratudo (Tabebuia aurea).
O paratudal existe porque o paratudo é uma árvore que resiste às inundações enquanto outras acabam morrendo com o aumento do nível da água.
Posteriormente, durante a seca, as queimadas se encarregam de eliminar outras espécies de plantas, enquanto os paratudos permanecem em pé, pois também são resistentes ao fogo.
Portanto, o paratudal é uma formação vegetal resistente tanto às queimadas quanto às inundações.
Se não fosse assim, o paratudal seria substituído por outras plantas durante o processo de sucessão ecológica.
Isso mostra como o fogo pode ser importante para a biodiversidade pantaneira quando ocorre de maneira contida e do ponto de vista natural.

A destruição da Amazônia e o Pantanal
Mas se existem incêndios naturais no Pantanal e o fogo pode até beneficiar alguns tipos de vegetação, porque as queimadas estão descontroladas e devastaram áreas matando tantos animais?
Parte da resposta pode estar nos efeitos do desmatamento da Amazônia.
A Floresta Amazônica é uma das maiores florestas tropicais do mundo.
Além de sua enorme Biodiversidade, ela tem um papel essencial na manutenção do clima local e do regime de chuvas, inclusive de outros Biomas ao redor dela.
Rios Voadores da Amazônia
Como em outras florestas tropicais, as plantas da Amazônia retém uma enorme quantidade de umidade no interior da mata.
Porém, enquanto parte dessa umidade permanece na floresta, outra parte evapora para a atmosfera e forma imensas massas de ar cheias de vapor d’água que seguem em direção ao oeste com a ação dos ventos.
Essas massas de ar úmido carregadas pelos ventos são chamadas de Rios Voadores.
Entretanto, a oeste, essas correntes de ar úmido encontram uma barreira natural na Cordilheira dos Andes e são direcionadas para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e países vizinhos.
Boa parte das chuvas que caem no Pantanal, em especial no Mato Grosso, onde está havendo a maior parte das queimadas, vêm dos rios voadores.
Portanto, se as florestas da Amazônia são destruídas, há diminuição na intensidade dos rios voadores e a chuva não chega em outras regiões, ou chega em quantidade inferior ao que deveria, acentuando o período de seca.
Entretanto, é difícil afirmar se a falta de chuvas é realmente uma consequência do desmatamento e destruição da Amazônia sem a condução de mais estudos a respeito do assunto.
O que sabemos é que essa possibilidade existe e justamente nesse ano, em que incêndios aumentaram e destruíram parte significativa da Amazônia, também houve uma seca prolongada no Pantanal. Outras razões, como anomalias climáticas (p.e. El Niño e Lã Niña), participam de todo esse processo e precisam ser analisadas em conjunto com as outras causas já citadas acima.